quarta-feira, 8 de agosto de 2012

NOSSOS RELACIONAMENTOS Melhores Pais, Melhores Filhos

Sobre o relacionamento entre pais e filhos, gostaria de relatar-lhes um fato que aconteceu comigo e que muito mudou a forma de me relacionar com meus filhos.

Quando minha filha tinha 11 anos de idade, ela combinou com a mãe que, após as aulas, levaria algumas colegas para nosso apartamento para comer pizzas que elas mesmas fariam.

Minha esposa concordou e combinou com a moça que trabalhava em nossa casa que deixasse prontos os discos de massa pré-assados, a mussarela ralada, o presunto picado e o molho na geladeira. Também foram providenciados os refrigerantes, na época, garrafas de vidro de tamanho família.

Como os irmãos voltariam da escola mais tarde e minha mulher e eu estaríamos trabalhando em nosso consultório de Psicologia, o apartamento ficaria à disposição dela e das colegas.

Por volta das 17h45, terminei meu trabalho na Clínica. Minha esposa pediu-me que fosse para casa, que nada precisaria ser feito, mas que eu ficasse em casa à disposição de minha filha e de suas colegas. Logo que ela terminasse o trabalho, também iria para casa. Naquela época, já estávamos acostumados a ficar até mais tarde no consultório, estudando, depois das consultas. Os filhos, quando retornavam da escola, sabiam se cuidar e, pelo telefone, conferíamos como as coisas andavam.

Naquela tarde fui mais cedo para casa. Quando cheguei, já encontrei as colegas de minha filha assentadas à mesa, comendo e bebendo, rindo muito, alegres. Cumprimentei a todas e fiquei conhecendo as que não conhecia. O cheiro de pizza assando tomava conta de todo o apartamento. Uma delícia. Liguei a televisão e fiquei vendo o resto da novela, enquanto esperava os jornais da noite nos diversos canais de televisão. Fiquei distraído, alheio à farra das meninas.

De repente, um susto. Um grande estrondo na cozinha balançou todo o apartamento. Tremi, na sala de televisão, apreensivo com o grito de uma das colegas de minha filha. Aconteceu que, com a mão suja de gordura da pizza, ela foi pegar uma garrafa de refrigerante na geladeira. A garrafa escorregou e caiu no piso de granito. O grande barulho foi pela queda da garrafa e também pelo gás que se desprendeu do refrigerante. Espalharam-se cacos de vidro e refrigerante por toda a cozinha.

Quando cheguei lá, a jovem estava parada, muito assustada, e as outras assentadas à mesa, sem ação. Retirei a moça do lugar, com cuidado, para que não pisasse nos cacos de vidro e coloquei outra garrafa de refrigerante na mesa para elas.
Comecei o trabalho de limpeza. Catei todos os cacos de vidro, embrulhei-os em jornal para não machucar a mão do lixeiro. Puxei todo o refrigerante com o rodo. Joguei detergente e água no chão, fazendo a limpeza.

Depois disso, voltei para a sala de televisão e fiquei pensando. Pensei no fato e em como agiria se fosse a minha filha que tivesse quebrado a garrafa. Talvez ralhasse severamente com ela, chamando-a de descuidada. Talvez lhe mandasse limpar tudo. Talvez prometesse algum castigo, mesmo na frente das colegas, para ela aprender a ter mais cuidado.

No entanto, como era uma estranha, eu agi daquela maneira. Limpei tudo, além de ter retirado a menina do lugar com muito carinho. Acho que disse a ela que não se preocupasse, que aquilo acontecia mesmo, que ficasse tranqüila, que eu estava lá para cuidar dessas coisas.

Pensei mais: pensei em como maltratamos as pessoas que amamos e tratamos bem os estranhos. A menina era filha de não sei quem. Nunca a vira na minha vida! E minha filha era sangue do meu sangue, carregando consigo genes que eu transmitira, tinha ainda o meu sobrenome, que eu mesmo pusera. Eu a tratava com tanta grosseria e, à sua colega, que eu nem conhecia, eu dava todo o meu carinho.

Foi então que eu comecei a prestar mais atenção a isso. E a partir daquele dia mesmo comecei a tratar com mais cuidado, com mais carinho e atenção meus filhos e minha mulher. Comecei a tratá-los como se fossem os colegas, e minha mulher como se fosse a mulher de um amigo ou a mulher do vizinho.

Hoje acho essas ideias um tanto engraçadas. Mas acho necessário colocá-las, porque recebo em meu consultório pais, mães que agridem fisicamente os filhos e filhas. E alguns chegam a fazer isso na presença de estranhos, sem perceber a humilhação e o dano que causam. Às vezes, andando por aí, vejo mães agredindo filhas, pais gritando com filhos adolescentes. Parece-me que agem assim porque têm a idéia de que nossos filhos são nossos, nossa mulher é nossa propriedade. Nós os possuímos, fazemos deles o que queremos, os tratamos como bem entendemos. Desrespeitamos a sua individualidade, independência e autonomia. Acreditando que são nossos pertences, deixamos de cultivar laços de afeto e de ternura que somos capazes de manter com outras pessoas.



(*)Texto extraído do livro Melhores Pais, Melhores Filhos de Angela Cota e J. Augusto Mendonça, publicado em 2012 pela Editora Diamante, Belo Horizonte, MG. pp. 29-31.

Postado por Tataine Medeiros

Um comentário:

  1. SENSACIONAL! Excelente reflexão! Desde a primeira vez que li este texto tenho melhorado meus relacionamentos e releio o texto depois de um tempo para repensar o que já consegui melhorar e reavaliar o que ainda posso fazer. Nossos relacionamentos são tão importantes que pequenas mudanças resultam em surpreendentes melhoras na minha qualidade de vida!
    p.s.: já tive oportunidade de ler o todo o livro e recomendo fortemente. Vale muito a pena não somente para pais, mas para todos. É uma maravilhosa lição de vida e humanização!

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