sexta-feira, 24 de maio de 2013

A ditadura da felicidade e o direito de ficar triste - Aline Accioly Sieiro

Se você estiver numa roda de amigos e começa a falar de algum problema seu, logo
cada um de seus colegas começará a falar dos problemas pessoais tentando mostrar como o
problema deles é maior ou tão ruim quanto o seu. É possível também que eles comecem a
discursar sobre como você está reclamando por pouco e precisa parar de sofrer. Essa
competitividade por tragédias acontece especialmente quando o assunto é doença: se uma
pessoa reclama que a gripe está forte demais, logo chegará alguém para dizer que aquilo não é
sofrimento, porque “sofre mesmo quem tem câncer”.
Pensando nessa competição do dia-a-dia, as pessoas também têm se esforçado para
mostrar que a modernidade trouxe facilidades e que nossos sofrimentos de hoje são (ou
deveriam ser) muito menores do que os antigos. Mas o sofrimento não tem medida comparativa
em tabela objetiva. A dor pessoal não pode ser mensurada como se gostaria e devíamos começar
a pensar no que significa escutar alguém em sofrimento, independente dos motivos. Por que
tendemos a diminuir a dor alheia? Por que achamos que racionalizar a dor do outro mostrando
que há coisas piores no mundo ajudará a pessoa a não sentir a dor que ela sente?
Uma pessoa pode sofrer com um simples caquinho de vidro no pé na mesma proporção
que uma mãe que acabou de perder seu filho para o câncer. Será que devemos ficar medindo
quem “merece” sofrer mais, quem está mais certo e tem mais direito de sentir suas dores? Cada
pessoa tem seu modo de lidar com a dor e o sofrimento, assim como, cada uma consegue, ou
não lidar, com elas de uma forma mais silenciosa ou escandalosa. Por que nos permitimos
exercer essa posição de julgadores do outro se só temos a nossa experiência como base da
análise de dados? Se alguém está sofrendo muito porque não sabe o seu lugar no mundo e não
sabe ainda o que vai querer de si e da vida, por que não podemos aceitar a validade daquele
sofrimento?
Vamos deixar que as pessoas sintam suas dores do jeito que elas estão sentindo, mesmo
que para nossa realidade possa parecer exagerado e absurdo. Vamos permitir que as pessoas
fiquem tristes o tempo que for necessário para que elas consigam compreender o que está
acontecendo e descubram maneiras de lidar com esse sofrimento. Tudo não precisa estar
maravilhoso o tempo todo porque muitas pessoas não conseguem lidar com essa exigência de
felicidade que a modernidade nos impõe. Novos problemas aparecem quando novas tecnologias
são inventadas e isso é natural, apenas parte da evolução.
Você não precisa entender o sofrimento do outro. Basta permitir que ele sofra o quanto
for necessário naquele momento. Se você não consegue entender a dor de alguém próximo, mas
consegue perceber que ele precisa de ajuda, essa é a hora de procurar um profissional. A escuta
de um psicólogo entra no lugar de alguém que pode ouvir as dores particulares de uma pessoa e,
com sua especialidade, saberá como escutar e trabalhar com ela para construir possibilidades de
vida no meio de tantas ofertas de felicidade do nosso capitalismo contemporâneo.


Texto da Psicóloga  Aline Accioly Sieiro - CRP: 04/31390
Postado por Tatiane Medeiros Cunha
Retirado do site da Unipsico: http://www.unipsicouberlandia.com.br/arquivos/artigos/A_DITADURA_DA_FELICIDADE_E_O_DIREITO_DE_FICAR_TRSITE_-_Aline_Accioly.pdf

Um comentário:

  1. Gostei muito do texto...
    Ajustou-se bem ao que tenho sentido.
    Abraços

    ResponderExcluir