quarta-feira, 12 de outubro de 2011

O Ser Criança e Adolescente: uma nova ética para estes sujeitos de Direitos

Lembro-me de uma mesa-redonda num projeto em que eu era monitora com o tema “criança: sujeito de direitos”, com a presença de psicólogo, assistente social e juiz. Fiquei me recordando dos discursos ali legitimados, tentando dar visibilidade à criança como sujeito, como ser humano capaz de viver, e de ser resguardado na família, na escola, na comunidade, nos atendimentos de suas necessidades.....
Apesar dos grandes esforços da lei de compensar um passado histórico da infância, no qual a criança era tida como “bichinho de animação dos adultos”, ou “adulto em miniatura”, sendo deste modo, um ser em desvantagem em comparação com o adulto, pode-se perceber que ainda carregamos e vemos os resquícios trevosos de uma Idade Média não muito distante de nossas cidades modernas e burguesas atuais...
O que assistimos hoje são as mais variadas atrocidades feitas contra as crianças, ou ainda a maneira velada com que elas são tratadas nas escolas, e em outros contextos de suas vidas, ou ainda abandonadas e precisando adquirir a autonomia e a capacidade do adulto em se “virar nos 30”...e a sociedade civil, com algumas de suas entidades responsáveis procura elaborar leis, estatutos, para garantir de alguma forma a sobrevivência humana desses seres de infância...marcada pela violência, pelo descaso, pelo abuso, pela falta de direitos, incluindo uma educação de qualidade....
Revisitando lugares meus, em outros momentos de minha formação em Psicologia, deparo-me com a lembrança de dois documentários que assisti um chamado “Crianças Invisíveis” em que tive a oportunidade de assistir em dois momentos, uma vez numa aula que me despertou para o cuidado e o olhar para a infância e suas mais variadas manifestações e depois durante um estágio em Psicologia Escolar.
Já o outro vídeo, construído e divulgado na plataforma de educação da Petrobrás, “Porta-Curtas – A invenção da infância” remonta a historia da construção da infância e que mesmo hoje, o que vemos é a manutenção de um status quo, em que as crianças independente de serem de classe média, alta ou baixíssima, convivem em ambientes que em nada se parece com o romantismo da infância, aquela relegada ao brinquedo, ao direito sagrado de brincar, descansar e não se preocupar com nada...
Percebemos ora assustados, ora aterrorizados, ora acuados, ora abismados no como a configuração da infância tem se reconstruído nos mais diversos moldes...convivendo com a violência, o trabalho infantil, os abrigos, o abuso, as múltiplas atividades diárias, como: natação, inglês, balé, futebol..etc...suscitando questionamentos, tais como: em qual momento sobra espaço para ser criança? Como podemos garantir o que é previsto em lei, nos estatutos? Será que a construção das leis vão de encontro as realidades múltiplas da criança brasileira??? Ou não, os profissionais que as constroem se embasam em modelos românticos e idealizados?
Mas não quero criticar nem a maneira como as infâncias se fazem, nem como as leis são construídas...ou talvez não queira fazê-lo depreciativamente...procuro antes fazer um exercício reflexivo...convidando a mim mesma e ao leitor que me lerá, a pensar sobre as múltiplas realidades do Brasil com suas infâncias ricas, carentes, sedentas de fome, de cuidado ou de um olhar terno...e pensar sobre o exercício profissional da Psicologia, aquele que escolhi para mim e no qual desempenho já desde os primeiros passos trilhados nos estágios....nestes tive a oportunidade em dois momentos de entrar em contato com universos diferentes de crianças, em creche, escola, no hospital e mesmo na clinica, e hoje no contexto exclusivo da clínica e as várias infâncias com as quais me deparo também como terapeuta infantil....
Então me pergunto: o quão preparados nós estamos para lidar com estas crianças? Por que não conhecemos, estudamos e propomos discussões sobre o ECA, ou mesmo sobre os direitos humanos da criança, sobretudo, ao longo de nossa formação? Por que só na disciplina de Ética é resguardado esse momento?
É preciso parar e buscar compreender os direitos, os deveres, os possíveis caminhos que poderemos empreender no atendimento a criança, ao adolescente, que deixa de ser criança, e que fica no lugar da passagem entre o mundo infantil e o adulto... Será? Será que apenas representa isso a adolescência? Será que continuar pensando o ser humano como passível do desenvolvimento geral como a Psicologia insiste em manter ajuda-nos a entender a singularidade de cada adolescente que nos procura, ou que nos deparamos em nosso cotidiano de prática?
            Pensando então na diversidade que demarca os espaços das crianças e dos adolescentes, será que o que temos em termos de teoria e prática em Psicologia empodera o discurso dos mesmos? É possível com as ferramentas que temos hoje fazer um trabalho minimamente ético e voltado para a garantia dos direitos humanos destes seres que somos chamados a atender? Acredito que mesmo se não o tivermos, temos condição de construir as ferramentas necessárias, tal como ferramenteiros, como nos dizeres de Vygotsky, quando faz um apelo aos profissionais Psi e da Educação.
Lendo o ECA, pude sentir novamente a mesma sensação que tive ao ler o nosso código de Ética, a impressão de que a lei é muito linda e muito geral....mas o quão distante ela fica da prática e de cada um de nós, e fiquei me perguntando como então apreender tais propostas?
Um caminho que me agrada é o convite a discussão de tais temas, é abrir ao debate na formação de Psicólogos e também de Assistentes Sociais, Médicos e demais profissionais que lidam com a infância, então porque não dizer também dos Professores, e das próprias famílias, para pensar em cima do material que contempla os direitos e deveres do ECA, e no nosso caso, é criarmos espaços de conversação em nosso cotidiano sobre o nosso código de Ética, podendo compreendê-lo a luz de nossas realidades, de nossos cotidianos, de nossas dúvidas e não incorporar tais leis ou regimentos como “bíblias” que devem ser mantidas debaixo do braço sob pena de exclusão se não seguirmos a risca...acho que vale sempre o exercício da reflexão, do quanto estamos próximos do que nos é solicitado, do que nos é vedado, do que nos é resguardado....
Fiquei pensando em algo, que pode parecer estranho...mas porque não nos permitirmos também o estranhamento (?!), de construir uma cartilha de ECA para os mais interessados, as crianças e os adolescentes, criando uma linguagem clara e acessível e abrindo espaços de conversa nas escolas, nas comunidades, nas clinicas para pensar e ouvir da parte deles o que acham de tudo aquilo e como poder garantir tudo o que está previsto ali? Com a ajuda deles, porque não? Acho que assim a lei tem mais condições de sair do papel, de sair do poder sacralizado do especialista e encontrar as mãos de quem realmente interessa....
E a nós psicólogos cabe a práxis constante, que envolve a ação e a reflexão, e a pergunta: será que em minha prática diária eu coaduno com ações anti-éticas e desmoralizantes do sujeito? Será que eu mantenho o rótulo, a falta de escuta, de direito? Ou não, eu problematizo, asseguro o discurso daqueles que atendo?  
Fiquei imensamente grata por ter lido a cartilha construída por diversos membros CFP dos direitos humanos no que diz respeito às práticas em Psicologia....me enriqueceu enquanto humana, e enquanto profissional Psi.. acredito que .independente da área que o profissional da Psicologia for seguir, sempre vale a reflexão dos discursos impregnados nas instituições, nos lugares  que forem atuar e o exercício de desconstrução, de buscar o novo, de resgatar o direito das pessoas.
E não dá pra pensar Criança ou Adolescente sem pensar Família, formas de convivência em casa, ou no ambiente onde moram. E pensar família é apreender que na sociedade “pós-moderna” que vivemos hoje, o que se percebe é a construção de novas configurações familiares, daí para se trabalhar com os sujeitos é preciso se despir dos pré-conceitos e dos valores arraigados do que seja uma família ideal e estar verdadeiramente aberto para conhecer o outro, o seu modo de vida, as suas carências, as suas aspirações. O ECA preconiza muitos itens que me fazem pensar em modelos ideais, mas como poderíamos então aproximar tais regimentos do real em que estamos mesmo imersos?
Por exemplo, creio que para pensar infância não dá para continuar desconectado dos outros profissionais que igualmente lidam com esta porção da sociedade, é preciso construir parceiras com a Educação principalmente e permitir o espaço para a família, bem como com as Instâncias Jurídicas e demais profissionais dependendo do contexto ou da necessidade.
Manter o olhar, o trabalho e as intervenções fragmentados não se constitui como modalidade possível, a meu ver de poder abarcar o todo da infância. E sinceramente, acredito demais no poder da Educação e do quão interessante e produtiva poderia ser uma parceria neste sentido, muito poderia ser feito e efetivado em termos de garantir os direitos e ensinar e negociar os deveres dos jovens e de nossas crianças brasileiras.
Ideal? Utópico? Pode até ser...mas as leis também o são, e nem por isso deixam de existir!

Por Fabiana Cândida Vitorino

2 comentários:

  1. Como é gratificante ler suas reflexões! Lembro-me de nossas conversas em meio aos atendimentos tão ricos de afetos, incertezas e (des)construções. Este é nosso papel! Refletir sobre os discursos impregnados, exercitar as (re)decisões, buscar o novo e o sujeito em seu discurso. Parabéns pelo texto e pela prática tão coerente. Karina de Paula Rezende

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